Publicidade de brinquedos reforça estereótipos da mulher

Propaganda para o público infantil é mais adulta do que parece

Andreza Santos

Refletir sobre a publicidade de produtos para crianças vai além de pensar sobre consumo do produto. Os anúncios de brinquedos, roupas e outros artigos divulgam padrões de comportamento e estilos de vida. E é isso que explica a professora do Departamento de Economia Doméstica e Hotelaria da UFRRJ, Patrícia Oliveira de Freitas, em seu artigo “Do cuidado com os outros ao cuidar de si: reflexões sobre a publicidade de bonecas”, publicado em setembro de 2012.

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foto: divulgação

Em uma análise de peças publicitárias infantis para o dia das crianças, a pesquisadora constata como a publicidade absorve a cultura e opera a partir dela e como, de modo específico, a propaganda de brinquedos para meninas contribui para a naturalização das definições de gênero, fazendo com que haja um “adestramento” a um determinado tipo de comportamento. “Esse tipo de afirmação não leva em consideração que o comportamento humano é determinado culturalmente, ficando implícito que a questão biológica seria a responsável por essa situação. Na verdade, as relações de gênero se dão entre pessoas”, destaca Patrícia de Freitas.

Assim, comerciais típicos de boneca seriam, na verdade, difusores de modelos que representam mulheres em supostos “papeis naturais”, como mães ou donas de casa. “Encontramos panelinhas, aparelhos de chá ou jantar, vassourinhas, ferros de passar, e até brinquedos mais sofisticados como máquinas de fazer sorvete e liquidificadores que funcionam de verdade e que só podem ser comprados na cor rosa”, enfatiza a professora.

Para entender melhor o funcionamento do discurso publicitário, a pesquisadora analisou o emprego de recursos dos comerciais. Segundo ela, o uso comum de palavras diminutivas, a constante representação das meninas como mães preocupadas com o banho, a alimentação, o sono e a saúde de seus filhos, por exemplo, são fatores que contribuem para reforçar o treinamento de meninas para esse tipo de atividades.

Uma tendência que vem sendo constatada pelas análises da publicidade desde os anos 2000 é o aumento da frequência de anúncios que apontam para o universo da beleza feminina. Com isso, o discurso da mulher sedutora, poderosa e independente difundido para o público adulto, vem também sendo apresentado no universo infantil.

Outro aspecto destacado na pesquisa é o uso de bonecas que têm o nome e um pouco da aparência de apresentadoras infantis ou artistas de TV. “Todas elas nos remetem a um determinado padrão de beleza, que se pretende hegemônico, associado à juventude, ao corpo esguio e à branquidade”. Segundo afirma a pesquisadora, a mídia se apropria de imagens de um mundo repleto de beleza e harmonia para trabalhar com padrões idealizados e inalcançáveis.

Para saber mais: Do cuidado com os outros ao cuidar de si: reflexões sobre a publicidade de bonecas, Patrícia Oliveira de Freitas, 2012.

Brasileiros exageram nas compras e caem nas armadilhas do consumo

Promoções, parcelas a perder de vista, moda e busca por status seduzem os consumidores

Texto e fotos: Jéssica Reis

O consumo exagerado é uma marca cultural da sociedade contemporânea, em que prevalece a regra do “ter pra ser”. Não há saciedade em apenas consumir o necessário; existe ainda a necessidade de esbanjar. E os atrativos são muitos: descontos relâmpagos, liquidações malucas, festas de final de ano e todas as datas comemorativas que no geral, incentivam a comprar.

Especialistas no assunto, professores da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) opinam sobre as possíveis causas da sedução pelas compras. Pesquisador na área de Economia Regional e Urbana, com foco em políticas públicas e gestão social, o professor Lamounier Erthal Villela afirma que o atual conceito de felicidade está atrelado à ascensão social do indivíduo. Dessa forma, o ‘sucesso pessoal’ caminha em paralelo à classe social a que pertence o indivíduo, ao bairro em que reside, ao carro que utiliza, e assim por diante.

Leandro Oliveira, prof. de Geografia Economômica

“Colocamos uma etiqueta em tudo o que consumimos, e assim, em uma escala perversa, tentamos nos ‘diferenciar’ socialmente de acordo com o que o nosso dinheiro pode comprar”, reforça o professor Leandro Dias de Oliveira, do Departamento de Geociências da UFRRJ, responsável pela disciplina “Geografia Econômica”.

Aliada ao consumo desmedido, está a estratégia econômica de produzir itens com vida útil curta, o que gera compradores assíduos, pois, nessa lógica, o produto de melhor qualidade sempre será o que está por vir. Além disso, os produtos importados – com preços cada vez mais baixos– são atraentes, principalmente para o consumidor que usa a internet, que pode adquiri-los sem sair de casa.

“Na atual sociedade, não se pensa na satisfação de necessidades (nem presentes, nem futuras), mas sim na aceleração do consumo, cada vez mais violento e incapaz de nos satisfazer”, afirma Oliveira, que conclui “Esse é o novo consumidor brasileiro, cuja primazia é consumir, e muito! Isso é o que lhe confere cidadania, ou seja, o que veste, o que possui. E com a expansão do crédito a passos largos, esse processo se tornou desenfreado”.

prof. Lamounier Vilella

O crédito fácil – A tentação do crédito fácil tem sido culpada por estourar o orçamento dos brasileiros. O professor Villela destaca os efeitos perversos, e chama atenção para o valor dos juros. “Já virou senso comum apontar como torpes as taxas de crédito que aqui são praticadas: se paga dois automóveis na compra de um, sendo que um deles se configura apenas como juros!”, desabafa o economista.

No Brasil, em especial, o prazo para pagar é curto e as taxas de juros são as mais altas do mundo, 9,75% em março de 2012, segundo o site “Brasil Econômico‘. Dessa forma, para quitar as parcelas, é preciso tirar relativamente mais dinheiro do bolso a cada mês. Outro agravante é manter o  orçamento comprometido com dívidas parceladas a perder de vista.

Enquanto isso, os economistas temem a inadimplência do brasileiro: cerca de 40% da população não tem condições de pagar as dívidas, com base nos dados do Índice de Expectativa das Famílias (IEF), divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Para Leandro Dias, é evidente que uma economia, que tem a maioria de seus agentes endividados, não tem sustentação por muito tempo.

Gastos excessivos  e compulsão –  A sedução ao consumo acontece de diferentes maneiras e em diferentes níveis. Há quem atribua esse estímulo às propagandas publicitárias ou à moda, que ao renovar suas coleções, renova também os guarda-roupas. Apesar disso, existe ainda a possibilidade de ser fruto de uma disfunção patológica.

A dificuldade de lidar com o próprio dinheiro, os gastos desenfreados e o endividamento excessivo, em geral, são, sem dúvidas, frutos de um péssimo planejamento financeiro. No entanto, esse consumo desmedido, associado à idéia de prazer a todo custo, pode se tornar um transtorno. Nesse caso, segundo recomendações médicas, o tratamento indicado é o psicoterapico ou, dependendo da gravidade do problema, o psiquiátrico.

“Para evitar que o problema atinja esse grau de complexidade, a solução é saber a medida certa para consumir bens que tragam melhorias efetivas na condição de vida e que sejam obtidos de maneira consciente”, recomenda Lamounier Villela.

Para Leandro Dias, ninguém está imune ao acelerado processo de consumo. Segundo ele, como a questão está voltada para a estrutura familiar, o transtorno maior é fazer de sua casa um grande palco de diálogos voltados apenas para o que se deve comprar! “Há muito mais em jogo quando se pensa no cotidiano da família”, reflete o professor.

É necessário o desenvolvimento de um consumo sustentável que, de acordo com ambos os professores, se produz fundamentalmente nas universidades. “Se faz necessária uma formação acadêmica mais humanitária com base no tripé educação-formação-valores”, afirmou Villela. O que ratificou Leandro Dias, apontando para a implicação de uma crise de valores humanos em consequência da falta de uma noção que os enxergue para além do dinheiro.