Anúncios de emprego mascaram preconceito

Andreza Almeida

O preconceito contra as mulheres negras no mercado de trabalho das grandes cidades do século XX é o tema do recém publicado livro “Segredos da Boa Aparência: da ‘cor’ à ‘boa aparência’ no mundo do trabalho carioca (1930-1950)”, de Caetana Damasceno, professora e pesquisadora do Instituto de Ciências Humanas e Sociais, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Para o estudo, ela analisou anúncios de emprego publicados nos jornais do Rio de Janeiro.

A pesquisa apresentada no livro mostrou que por trás dos pré-requisitos de boa aparência exigidos nos anúncios até meados da década de 1980, esconde-se um conjunto de ideias que afetaram diretamente os rumos pessoais e profissionais de mulheres negras das grandes cidades. Tendo como cenário a cidade do Rio de Janeiro nas décadas de 1930 a 1950, período em que a sociedade explora a exigência de “boa aparência” para o ingresso no mercado de trabalho, a pesquisadora buscou entender as raízes do preconceito mascarado em expressões aparentemente corretas.

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“Os anúncios de jornal representavam uma forma condensada e precisa para dizer o que os empregadores desejavam. As categorias de cor eram muito presentes. Os textos dos anúncios eram paradigmáticos e expressivos daquele momento de transição, pois mostravam o deslizamento da categoria de cor”, explica Caetana Damasceno.

Após uma análise detalhada das ofertas de emprego, observou-se um novo significado para as categorias de cor, ou seja, o racismo explícito até meados de 1930 foi, então, substituído pela expressão polissêmica “boa aparência”. A pesquisadora questiona a noção de boa aparência, em que os conceitos de bom e bonito passaram a ser sinônimo.

Resultado de um trabalho multidisciplinar que busca compreender os múltiplos aspectos da discriminação racial e de gênero no mundo, o livro foi construído sobre a tese de doutorado de Damasceno, defendida em 1997, em que conclui também que a prevalência das mulheres afrodescendentes no mercado doméstico não é fruto da escravidão, como muitos acreditam.

 Lançado em 15 de setembro na livraria Travessa do Centro, Rio de Janeiro, a publicação esteve entre um dos destaques da IV Feira do Livro das Editoras Universitárias do Rio de Janeiro, de sete a 11 de novembro, no prédio central da UFRRJ.

Um pouco da escritora – Professora de antropologia, para o curso de História, desde 1993, Caetana Damasceno atualmente dedica a pesquisar assuntos que abrangem o universo do mercado de trabalho, frequentemente relacionando-o com as categorias de cor e gênero.

A professora conta que o interesse em estudar o tema do livro surgiu durante uma pesquisa sobre o mercado de trabalho para homens e mulheres negras nos anos 80, quando ela constatou que muitas das mulheres autodeclaradas negras em altos cargos usavam a expressão “boa aparência” como justificativa pra o alcance da posição. Além disso, poucas mulheres afrodescendentes ocupavam lugares de destaque, sendo que a maioria aparecia no mercado doméstico.

Projeto veta uso da expressão “boa aparência” em anúncios publicitários

O projeto de lei  LEI Nº 3980/2000, do senador Geraldo Cândido (PT-RJ), aprovado em  novembro de 2000, proíbe o uso da expressão “boa aparência” ou equivalente em anúncios de oferta de emprego  na imprensa escrita, falada, televisiva ou em qualquer meio eletrônico. O principal objetivo é evitar qualquer tipo de discriminação contra os candidatos durante o processo seletivo de emprego.

Na proposta, os infratores estão sujeitos a multas, que deverão ser cobradas em dobro em caso de reincidência. O valor e o órgão que vai aplicar a multa serão determinados pelo Poder Executivo, que reverterá o dinheiro para o Fundo de Amaparo ao Trabalhador (FAT).