Brasileiros exageram nas compras e caem nas armadilhas do consumo

Promoções, parcelas a perder de vista, moda e busca por status seduzem os consumidores

Texto e fotos: Jéssica Reis

O consumo exagerado é uma marca cultural da sociedade contemporânea, em que prevalece a regra do “ter pra ser”. Não há saciedade em apenas consumir o necessário; existe ainda a necessidade de esbanjar. E os atrativos são muitos: descontos relâmpagos, liquidações malucas, festas de final de ano e todas as datas comemorativas que no geral, incentivam a comprar.

Especialistas no assunto, professores da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) opinam sobre as possíveis causas da sedução pelas compras. Pesquisador na área de Economia Regional e Urbana, com foco em políticas públicas e gestão social, o professor Lamounier Erthal Villela afirma que o atual conceito de felicidade está atrelado à ascensão social do indivíduo. Dessa forma, o ‘sucesso pessoal’ caminha em paralelo à classe social a que pertence o indivíduo, ao bairro em que reside, ao carro que utiliza, e assim por diante.

Leandro Oliveira, prof. de Geografia Economômica

“Colocamos uma etiqueta em tudo o que consumimos, e assim, em uma escala perversa, tentamos nos ‘diferenciar’ socialmente de acordo com o que o nosso dinheiro pode comprar”, reforça o professor Leandro Dias de Oliveira, do Departamento de Geociências da UFRRJ, responsável pela disciplina “Geografia Econômica”.

Aliada ao consumo desmedido, está a estratégia econômica de produzir itens com vida útil curta, o que gera compradores assíduos, pois, nessa lógica, o produto de melhor qualidade sempre será o que está por vir. Além disso, os produtos importados – com preços cada vez mais baixos– são atraentes, principalmente para o consumidor que usa a internet, que pode adquiri-los sem sair de casa.

“Na atual sociedade, não se pensa na satisfação de necessidades (nem presentes, nem futuras), mas sim na aceleração do consumo, cada vez mais violento e incapaz de nos satisfazer”, afirma Oliveira, que conclui “Esse é o novo consumidor brasileiro, cuja primazia é consumir, e muito! Isso é o que lhe confere cidadania, ou seja, o que veste, o que possui. E com a expansão do crédito a passos largos, esse processo se tornou desenfreado”.

prof. Lamounier Vilella

O crédito fácil – A tentação do crédito fácil tem sido culpada por estourar o orçamento dos brasileiros. O professor Villela destaca os efeitos perversos, e chama atenção para o valor dos juros. “Já virou senso comum apontar como torpes as taxas de crédito que aqui são praticadas: se paga dois automóveis na compra de um, sendo que um deles se configura apenas como juros!”, desabafa o economista.

No Brasil, em especial, o prazo para pagar é curto e as taxas de juros são as mais altas do mundo, 9,75% em março de 2012, segundo o site “Brasil Econômico‘. Dessa forma, para quitar as parcelas, é preciso tirar relativamente mais dinheiro do bolso a cada mês. Outro agravante é manter o  orçamento comprometido com dívidas parceladas a perder de vista.

Enquanto isso, os economistas temem a inadimplência do brasileiro: cerca de 40% da população não tem condições de pagar as dívidas, com base nos dados do Índice de Expectativa das Famílias (IEF), divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Para Leandro Dias, é evidente que uma economia, que tem a maioria de seus agentes endividados, não tem sustentação por muito tempo.

Gastos excessivos  e compulsão –  A sedução ao consumo acontece de diferentes maneiras e em diferentes níveis. Há quem atribua esse estímulo às propagandas publicitárias ou à moda, que ao renovar suas coleções, renova também os guarda-roupas. Apesar disso, existe ainda a possibilidade de ser fruto de uma disfunção patológica.

A dificuldade de lidar com o próprio dinheiro, os gastos desenfreados e o endividamento excessivo, em geral, são, sem dúvidas, frutos de um péssimo planejamento financeiro. No entanto, esse consumo desmedido, associado à idéia de prazer a todo custo, pode se tornar um transtorno. Nesse caso, segundo recomendações médicas, o tratamento indicado é o psicoterapico ou, dependendo da gravidade do problema, o psiquiátrico.

“Para evitar que o problema atinja esse grau de complexidade, a solução é saber a medida certa para consumir bens que tragam melhorias efetivas na condição de vida e que sejam obtidos de maneira consciente”, recomenda Lamounier Villela.

Para Leandro Dias, ninguém está imune ao acelerado processo de consumo. Segundo ele, como a questão está voltada para a estrutura familiar, o transtorno maior é fazer de sua casa um grande palco de diálogos voltados apenas para o que se deve comprar! “Há muito mais em jogo quando se pensa no cotidiano da família”, reflete o professor.

É necessário o desenvolvimento de um consumo sustentável que, de acordo com ambos os professores, se produz fundamentalmente nas universidades. “Se faz necessária uma formação acadêmica mais humanitária com base no tripé educação-formação-valores”, afirmou Villela. O que ratificou Leandro Dias, apontando para a implicação de uma crise de valores humanos em consequência da falta de uma noção que os enxergue para além do dinheiro.