Corantes tornam alimento atrativo e perigoso

Shirley Abrantes, pesquisadora da UFRRJ, estuda efeitos de corantes artificais na alimentação infantil

Carolina Vaz

Balas, chicletes, sorvetes, refrigerantes, biscoitos e outras guloseimas que ingerimos todos os dias são, além de saborosas, muito coloridas. Na maior parte das vezes, a cor se dá pelo uso de corantes sintéticos ou naturais. A aplicação destas substâncias torna um produto mais atrativo visualmente ou reforça a cor, conforme o sabor indicado na embalagem. Os produtos destinados a crianças são ainda mais coloridos, ou seja, contêm mais substâncias químicas ou naturais que não alimentam.

Os corantes e outros aditivos alimentares, como conservantes e estabilizantes, estão presentes em todo tipo de comida industrializada. As pessoas esquecem, ou nem desconfiam, de que estão consumindo substâncias, muitas vezes de origem química, que podem causar males. Com a função de tornar um alimento mais bonito, os corantes não têm valor nutritivo e alguns podem causar problemas de digestão, doenças respiratórias e reações alérgicas. Não costumam estar em alta concentração, porém o uso pode ser preocupante se ingerido diariamente.

Reportagem do portal Terra, de quatro de setembro deste ano, conta que empresas alimentícias chinesas fazem uso demasiado de substâncias artificiais. Como a China precisa providenciar abastecimento para mais de 1,3 bilhão de habitantes, muitos alimentos são resultantes de pulverização excessiva, e até mesmo fabricados artificialmente, como ovos e uvas. Alguns fatores para o uso dessas práticas na produção e comercialização são a fraca fiscalização, a geração de empregos e o barateamento dos itens. O baixo preço final explica a larga utilização dos corantes nos alimentos vendidos todos os dias no mundo.

Tipos de corantes – Shirley Abrantes, pesquisadora e professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências e Tecnologia de Alimentos (PPGCTA), da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), estuda os aditivos e resíduos alimentares e métodos de análise. Atualmente, investiga a exposição de crianças a corantes artificiais em alimentos. A professora explica que os corantes podem ser naturais ou artificiais. O corante natural é obtido a partir de origem vegetal ou animal, cujo princípio corante tenha sido isolado com tecnologia adequada. O artificial ou sintético não é encontrado em produto natural. Há ainda os sintéticos idênticos aos naturais, que são artificiais com estrutura química semelhante à do princípio isolado do corante orgânico natural.

O uso do pigmento sintético torna o alimento mais barato e mais produtivo. Além de ter menor custo, esse corante apresenta maior taxa de coloração, melhor estabilidade e grande poder de espalhamento, necessitando com isso de pouca quantidade para dar cor.

Com o agravamento dos casos de alergia aos sintéticos, as indústrias procuram enfatizar o uso dos naturais e deixá-los mais estáveis à luz e ao calor. Além de aumentar o rendimento, pretende-se melhorar a conservação, com a criação de embalagens eficientes. A redução do prazo de validade de um ano para três meses também reflete uma preocupação com a estabilidade dos naturais.

sementes de urucum

O urucum, corante natural de origem brasileira, é um dos mais importantes nas indústrias do mundo todo. Segundo Shirley Abrantes, do urucum são fabricados os corantes naturais mais difundidos na indústria de alimentos. “Os produtos do urucum representam aproximadamente 70%(em quantidade) de todos os corantes naturais e 50% de todos os ingredientes naturais que têm função corante nos alimentos”, explica a pesquisadora.

Malefícios – Quanto aos riscos que os corantes apresentam, a professora Abrantes afirma que “estudos apontam reações adversas, quer seja aguda ou crônica, tais como alergias, alterações no comportamento, em geral, e carcinogenicidade, esta última observada em longo prazo”. A rejeição às substâncias ocorre principalmente em asmáticos e convalescentes de eczema. Muitas pesquisas relacionam os corantes artificiais com casos de hiperatividade e distúrbio de concentração em crianças, urticária, indisposição gástrica e vômitos. Segundo a pesquisadora da UFRRJ, o risco na infância é ainda maior, pois a criança é mais suscetível aos danos provocados pelos corantes, principalmente por conta de sua imaturidade fisiológica.

Legislação e normas – No Brasil, o órgão que regulamenta e fiscaliza o setor de alimentação é a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A Agência utiliza como referência alguns documentos como o Codex Alimentarius, da Organização Mundial de Saúde, normas da Comunidade Europeia, as indicações de Ingestão Diária Aceitável (IDA), estabelecida pelo Joint FAO/WHO Expert Committee on Food Additives (Jecfa), e a Lista Geral Harmonizada de Aditivos do Mercosul. O Codex Alimentarius proibiu vários corantes no mundo e inclusive no Brasil, como amarelo sólido, vermelho sólido e laranja GGN. Estados Unidos e Japão já advertiram que querem banir na próxima década os poucos sintéticos ainda usados, e já baniram vários que ainda são utilizados no Brasil.

No momento, a legislação brasileira, atualizada com boa parte das leis internacionais e recomendações da FAO (Food and Agriculture Organization), permite apenas oito sintéticos e mais cinco sintéticos idênticos aos naturais (betacaroteno, beta-apo 8’ carotenal, éster etílico do ácido beta-apo 8 carotenóico, riboflavina e xantofila). A permissão é condicionada à indicação nos rótulos sobre a sua origem sintética e a ingestão diária aceitável. Mas os produtos não vêm com a informação do limite de ingestão diária. A professora Shirley Abrantes explica que “a Anvisa tem um programa de monitoramento de corantes artificiais em alimentos, somente para verificação qualitativa”.

A pesquisadora também acredita não ocorrer no país nenhuma campanha de esclarecimento a consumidores sobre os malefícios dessas substâncias. O alerta geralmente é feito no consultório médico depois de constatada alergia do paciente.